terça-feira, 6 de dezembro de 2011

África - O novo desejo dos chineses

Os países ricos estão a comprar terras em África para a agricultura. É um negócio tão polémico que já provocou a queda do Presidente de Sudão.

Apesar das tragédias, o Sudão tem recebido nos últimos anos um fluxo crescente de investimentos estrangeiros. A maioria do dinheiro que entra no país tem a mesma finalidade: comprar ou arrendar terras para o cultivo de produtos agrícolas. Mais de 1 milhão de hectares (o equivalente à campanha agrícola de 2009-2010 da província do Bié) encontram-se hoje nas mãos de países como a Arábia Saudita e a Coreia do Sul, que viram no Sudão a oportunidade para expandir as suas escassas áreas disponíveis para a produção de alimentos. Os investimentos agrícolas representam hoje quase 20% do dinheiro aplicado no Sudão. Se o ritmo actual for mantido, a taxa pode chegar a 50% até 2010.

O fenômeno registado no Sudão tem ocorrido em várias regiões do mundo. De acordo com um relatório de 2009 do International Food Policy Research Institute, de Washington, cerca de 20 milhões de hectares de terra foram arrendados ou vendidos em mais de 40 transações desde 2006 (veja quadro).





A maior parte das propriedades adquiridas está em países pobres da África e da Ásia. As nações em dificuldades — carenciadas de dinheiro e de investimentos, mas ricas em solos férteis — aceitam vender, ou arrendar, parcelas substanciais do seu território em troca de capital ou das promessas de geração de emprego e de investimentos em infra-estruturas. Os compradores mais interessados são os países desérticos do Norte de África e do Médio Oriente.

Com escassos solos aráveis, eles têm uma reduzida capacidade de produção e, nalguns casos, importam até 90% dos alimentos consumidos no mercado interno. “Os países pobres têm a terra e a água, e nós temos o dinheiro”, disse em entrevista recente ao The New York Times um responsável do Ministério de Agricultura do Bahrein, país que já comprou 10 mil hectares de propriedades nas Filipinas.

Arábia Saudita investe na Etiópia

A venda de terras aos investidores estrangeiros ganhou impulso nos últimos anos devido à subida do preço das commodities agrícolas e da crise. Os investidores procuram novas fontes de lucro após a derrocada do mercado financeiro. Os governos da Ásia e do Médio Oriente querem aumentar a produção interna de alimentos. “Eles estão a tentar diminuir as importações de alimentos adquirindo terras para produzir as suas próprias reservas”, disse à EXAME a investigadora norte-americana Ruth Meinzen-Dick, uma das autoras do referido estudo do International Food Policy Research Institute.

Um dos maiores compradores é o governo da Arábia Saudita. Para evitar a escassez de água no futuro, o governo saudita decidiu reduzir gradualmente a produção local de trigo. A ideia é passar a utilizar terras arrendadas em países da África. O plano prevê um investimento de 100 milhões de dólares na Etiópia para a compra e arrendamento de terras para o cultivo de trigo, já a partir deste ano. A produção de arroz começou em Janeiro do ano passado e a operação correu bem. A chegada da primeira colheita realizada em solo africano foi muito festejada pelos sauditas.

Na Ásia, o rei dos compradores é a China. Com 20% da população mundial e apenas 7% de terra arável e 7% de água doce, o país não tem outra opção senão procurar no exterior o seu abastecimento agrícola. Se a China importar demasiados alimentos ficará exposta à variação dos preços no mercado internacional. Logo, em vez de importar, é mais seguro cultivar em solos estrangeiros através de empresas privadas chinesas e do governo. Gradualmente, o país tem deslocado grande parte da sua produção de alimentos para África, nomeadamente as culturas de arroz, feijão, soja e milho. Outro segmento importante são os biocombustíveis. Numa das maiores transacções de terrenos em África, o governo chinês comprou 2,8 milhões de hectares para o cultivo de palma para a produção de biocombustível na República Democrática do Congo. O país está neste momento a negociar a provável venda de mais 5 milhões de hectares à China.

Vastos territórios de África estão a ser cedidos “quase de graça” por períodos superiores a 50 anos.
As operações de compra e venda de terras entre os países não têm nada de ilegal, mas são um assunto polémico. Segundo um estudo recente da FAO — o órgão das Nações Unidas para a agricultura e a alimentação —, vastos territórios da África estão a ser cedidos “quase de graça” para o usufruto por um período longo, dos 50 aos 99 anos. As poucas vantagens para os países arrendatários consistem em promessas vagas de emprego e infra-estruturas. As críticas da FAO são especialmente incisivas para os países africanos cuja população sofre com a fome, caso do Sudão. O director-geral da FAO, Jacques Diouf, já afirmou que há um risco grande de este tipo de acordos se tornar uma nova forma de colonialismo, dado os países pobres fornecem alimentos para nações ricas em detrimento da sua própria população. “Trata-se de uma agricultura mercantilista de curto prazo”, disse ele numa entrevista recente.

A China tem 20% da população mundial e apenas 7% de terra arável e 7% de água.
Um dos negócios mais criticados ocorreu em Novembro do ano passado, entre a multinacional sul-coreana Daewoo e o governo de Madagáscar. O acordo previa o arrendamento gratuito à Daewoo, por 99 anos, de 1,3 milhões de hectares na ilha — mais da metade da terra arável de Madagáscar. Em troca, a ilha africana ficaria com as oportunidades de emprego geradas pelo negócio, além de beneficiar dos possíveis investimentos asiáticos em estradas e irrigação. A negociação mereceu um ácido editorial no jornal inglês Financial Times, um notório defensor da livre iniciativa. O facto foi um dos principais causadores da onda de protestos que culminou na renúncia do Presidente Marc Ravalomanana, em Março de 2009.


Assim que tomou posse, o novo líder Andry Rajoelina cancelou o contrato. “Os países africanos parecem demasiado apressados em conceder terras sem primeiro fazerem uma análise apropriada do custo/benefício. Tais acordos podem levar à perda do controlo sobre áreas substanciais da agricultura, minando a auto-suficiência desses países”, disse à EXAME Herbert Jauch, especialista do LaRRI, um importante centro de pesquisas da Namíbia.

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