sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A nova revolução industrial muda a forma como os objetos são criados, produzidos e consumidos

O tênis abaixo não foi fabricado. Ele foi impresso.  A tecnologia das impressoras tridimensionais pode transformar a forma de criação dos objetos


No início do século XVIII, não era fácil ter um sapato. Um artesão tinha de cortar e costurar cada parte manualmente. Esse trabalho levava dias. Nas décadas seguintes, sua fabricação ficou mais ágil com a introdução, na Inglaterra, das máquinas de corte e costura operadas manualmente. Foi o início da primeira Revolução Industrial. O sapato ficou mais acessível, mas ainda custava caro. Em meados do século XIX, a produção fabril ficou ainda mais eficiente com a invenção de máquinas movidas a eletricidade. No início do século XX, nos Estados Unidos, o empresário Henry Ford usou-as nas primeiras linhas de produção. Assim como os carros da Ford, milhares de sapatos passaram a ser fabricados simultaneamente, em tempo recorde e a um custo baixo.

Essa produção em massa em grandes fábricas se tornou o símbolo da segunda Revolução Industrial. Agora, após um século, uma nova transformação se anuncia. Ela é trazida por aparelhos do tamanho de um micro-ondas que constroem um objeto real a partir de um arquivo digital: as impressoras tridimensionais. Até há pouco tempo, esses equipamentos custavam centenas de milhares de reais e ficavam restritos às grandes indústrias. Hoje já é possível levar para casa uma impressora 3D e usá-la para fabricar objetos. Como um sapato. “Uma terceira revolução industrial está a caminho”, diz o jornalista e físico Chris Anderson, editor-chefe da revista Wired, em seu livro Makers (Os produtores, numa tradução livre, sem previsão de lançamento no Brasil), que saiu neste mês nos Estados Unidos. “Assim como a internet mudou, redistribuiu e acelerou a difusão da informação, essa tecnologia pode transformar a fabricação de produtos de algo rígido e dependente de capital num processo flexível, baseado em criatividade.”

Nos dias de hoje, a fabricação ainda segue as regras dos tempos de Henry Ford. Criar um produto requer um grande investimento inicial. Do primeiro protótipo ao produto final, é necessário investir milhões de reais em pesquisa e desenvolvimento. Contratar mão de obra especializada consome outros milhões – mesmo que a fábrica seja erguida em países como a China, onde a força trabalhadora custa mais barato. Depois, é preciso comprar máquinas modernas para cada etapa da fabricação. Finalmente, é necessário decidir como será a logística da cadeia de fornecedores e distribuidores, o estoque dos produtos e o marketing de venda. Se houver muita gente interessada em comprar o produto, tudo isso compensa, porque ele pode ser replicado infinitamente. Suas próximas unidades custarão muito menos e renderão margens de lucro muito maiores. É o que se chama economia de escala. Aos poucos, os ganhos com sua produção em massa compensam o alto custo para criá-la. Produtos sem um grande apelo comercial, porém, se tornam inviáveis.





A impressão 3D desmonta essa lógica. Ela funciona como uma impressora convencional que muitos têm em casa. Basta apertar o botão na tela do computador para que o arquivo digital, com o desenho em três dimensões do objeto a fabricar, seja enviado para a máquina. O programa da impressora divide o desenho em milhares de camadas de até 0,1 milímetro e envia uma série de instruções para a impressora. Em vez de tinta, ela usa materiais como plástico, gesso, silicone, borracha ou metais, para fazer sapatos, próteses dentárias, joias, luminárias, brinquedos ou peças de equipamentos hospitalares.

A produção começa pela base do objeto. O cartucho deposita uma fina camada do material usado no produto sobre uma plataforma. Uma vez formada essa camada inicial, a plataforma desce ligeiramente para que o cartucho aplique outra camada sobre a primeira. O processo se repete com a acumulação de várias camadas até o objeto ficar pronto. Demora entre uma e várias horas, de acordo com o tamanho e a complexidade do modelo. Em vez de fabricar cada parte de um produto separadamente e depois montá-las, é possível imprimir de uma vez só todas as peças já agrupadas. Isso economiza tempo e matéria-prima. Como a impressão 3D barateia os custos, um produto pode ser fabricado localmente em vez de ser feito noutro país e depois importado. Também não há necessidade de criar grandes estoques, já que a produção leva no máximo algumas horas e pode ser iniciada só depois de o item ter sido comprado por um consumidor.



O impacto dessa nova forma de produção no modo como a sociedade trabalha e consome pode ser brutal. De novo, pode ser dado o exemplo do sapato: antes da primeira Revolução Industrial, o artesão que fazia o sapato era seu proprietário. Quem fabricava era o dono do produto. Depois que a máquina a vapor substituiu o artesão, quem produzia deixou de ser o dono do sapato. Ele passou a ser propriedade do empresário que controlava a fábrica. Nasceu a classe trabalhadora e assalariada, que ganhava dinheiro para produzir o sapato e adquirir outros bens. A produção em massa de sapatos na segunda revolução desencadeou a explosão do consumo. Além de mais baratos, os modelos se diversificaram e passaram a ser feitos em grande escala.

A terceira revolução, com a introdução das impressoras 3D, é mais parecida com aquela da Inglaterra do século XVIII do que com a de Henry Ford. Ela pode permitir que cada unidade produzida seja feita de acordo com o gosto pessoal e a necessidade de cada consumidor – e até pelo próprio consumidor. É a “personalização em massa”. Isso abre oportunidades para que empreendedores, inventores e indústrias possam lançar novos produtos sem se preocupar com vendas em grande escala para torná-los economicamente viáveis. “É o surgimento da manufatura pessoal”, diz Abe Reichental, presidente da 3D Systems, a maior fabricante de impressoras 3D do mundo.


Em casa, fabricar objetos já é realidade para quem tem uma dessas máquinas. Chris Anderson conta em seu livro que suas filhas deixaram de brincar com videogames e agora passam horas fabricando móveis em miniatura para suas casinhas de boneca. “Se você é um fabricante de brinquedos, isso deveria dar calafrios”, diz ele. Os donos dessas impressoras podem ainda fabricar copos e pratos personalizados para uma festa de aniversário. Se uma peça do jogo favorito da família se perdeu, ela pode ser reposta em poucas horas sem que seja preciso ir a uma loja. É possível também criar uma capa nova para celular segundo a cor, estampa e textura mais convenientes para combinar com a roupa da ocasião.