AS EMPRESAS MAIS BEM-SUCEDIDAS DO VALE DO SILÍCIO UTILIZAM O DESIGN BEHAVIORISTA PARA TURBINAR NOSSOS NÍVEIS DE DOPAMINA E CRIAR UMA SENSAÇÃO DE “QUERO MAIS”. NESTE ARTIGO, IAN LESLIE MOSTRA QUE OS PSICÓLOGOS ESPECIALIZADOS NA CIÊNCIA DA PERSUASÃO ESTÃO PREOCUPADOS COM O RUMO QUE ESSA HISTÓRIA VEM TOMANDO
Em 1930, um psicólogo da Universidade Harvard chamado B.F. Skinner construiu uma caixa e colocou um rato faminto dentro dela. No canto da caixa havia uma alavanca. Ao circular pelo espaço, o animal encostava por acidente nessa alavanca, e o mecanismo arremessava na caixa uma pílula de comida. Depois de passar pela caixa algumas vezes, o rato aprendia a ir direto para a alavanca: a recompensa recebida reforçava o comportamento. Skinner afirmava que o mesmo princípio poderia ser aplicado a qualquer “operante”, fosse ele homem ou rato. O psicólogo batizou a caixa de “câmara de condicionamento operante”, mas ela ficou conhecida como caixa de Skinner.
O cientista acabou se transformando no maior expoente de uma linha da psicologia chamada behaviorismo (do inglês “behaviour”: comportamento, conduta), O behaviorismo partia da seguinte premissa: o comportamento humano pode ser entendido como uma função entre incentivos e recompensas. Não se deixe distrair por questões nebulosas relacionadas a pensamentos e sentimentos impossíveis de observar, diziam os behavioristas. Pense apenas na maneira como o ambiente ao redor do “operante” determina as ações que ele realiza. Compreender a caixa equivale a compreender o comportamento. E criar a caixa certa equivale à capacidade de controlar o comportamento.
Skinner viria a ser o último “purista” do behaviorismo. A partir do final dos anos 50, uma nova geração de estudiosos comandou um retorno aos processos mentais internos da psicologia, tais como memória e emoção. O behaviorismo, porém, nunca desapareceu. Recentemente ele surgiu em novo formato, agora como uma disciplina desenvolvida por empresas e governos com o objetivo de influenciar as escolhas que fazemos todos os dias: o que compramos, com quem conversamos, como trabalhamos. Os novos praticantes do behaviorismo estão especialmente interessados na capacidade que as interfaces digitais – essa caixa onde passamos boa parte do tempo – demonstram para determinar as decisões humanas. Essa disciplina incipiente ganhou o nome de “design behaviorista”, e seu criador atende por B.J. Fogg.
No início deste ano fui a Palo Alto participar de um workshop sobre design behaviorista comandado por Fogg, em nome da instituição para a qual ele trabalha: a Universidade Stanford. Diante das salgadas tarifas de roaming entre Estados Unidos e Inglaterra, acabei passando muito tempo em cafés com wi-fi grátis. Li a frase “aceitar e conectar-se” tantas vezes que comecei a vê-la como o mantra da Califórnia. Aceitar e conectar-se, aceitar e conectar-se, aceitar e conectar-se.
Eu nunca tinha usado o serviço do Uber, e pensei: que lugar do mundo poderia ser melhor do que este para experimentar? Um dia, quando estava num Starbucks pela manhã, abri o aplicativo e solicitei um motorista para me levar até o campus de Stanford. Dois minutos depois o carro encostou na frente do café: um estudante de engenharia de Oakland iria me conduzir ao meu destino. Paguei sem precisar pagar. Parecia mágica. Bem... O workshop reunia uns 20 e poucos executivos de Estados Unidos, Brasil e Japão, encarregados de levar os segredos do design behaviorista de volta para suas empresas natais.
Fogg tem 53 anos. Ele viaja o mundo carregando consigo um sapo e um macaco de pelúcia, presentes na sala também naquele dia. Além disso, o professor faz “plin” num xilofone de brinquedo para marcar o fim de um intervalo ou de uma sessão de trabalho em grupo. Alto, enérgico, dono de uma simpatia incansável, ele costuma pontuar sua fala com expressões empolgadas, como “demais” e “sensacional”. Considerando que sou inglês, essa alegria desavergonhada me pareceu desconcertante a princípio. Depois de um tempo, no entanto, aprendi a gostar do jeito dele – assim como os europeus que se mudam para a Califórnia esquecem a antiga paixão por estações bem definidas e ficam viciados em calor. Além do mais, Fogg é gente boa. Com seu sorriso cheio de dentes e sua voz anasalada, ele tem um jeito de nerd fofinho.
Antes do workshop, conversamos por telefone e ele me contou que havia lido os clássicos durante seu mestrado na área de Humanas. Fogg não viu nada de mais em Platão, mas se identificou muito com a tentativa aristotélica de organizar e catalogar o mundo, de enxergar sistemas e padrões por trás da barafunda de diferentes fenômenos. Ele lembrou: ao ler Retórica, de Aristóteles – um tratado sobre a arte da persuasão –, “a ficha caiu: um dia isso aqui vai ser usado na tecnologia”.
Em 1997, no último ano de seu doutorado, Fogg fez uma palestra na cidade de Atlanta, durante um congresso que discutia como os computadores poderiam ser usados para influenciar o comportamento dos usuários. Ele percebeu que as “tecnologias interativas” tinham deixado de ser apenas ferramentas de trabalho e se transformado em parte integrante do cotidiano das pessoas: eram usadas na gestão das finanças domésticas, nos estudos e na saúde. Mesmo assim, os profissionais da tecnologia ainda pensavam mais nas máquinas que criavam do que nos seres humanos que usavam as máquinas. Fogg se perguntava: e se criássemos softwares educativos, que convencessem os alunos a passar mais tempo estudando? Ou um programa de gestão financeira que incentivasse os usuários a economizar? Ele concluiu que, para chegar às respostas a essas perguntas, seria necessário usar conceitos da psicologia.
Durante a palestra, apresentou os resultados de uma experiência simples que ele havia realizado em Stanford. O estudo mostrava que as pessoas dedicavam mais tempo a uma tarefa quando trabalhavam num computador que já tivesse sido útil a elas em outras ocasiões. Ou seja: a interação com a máquina seguia a mesma “regra de reciprocidade” identificada pelos psicólogos na vida social. Fogg argumentava que a experiência era importante menos por suas conclusões específicas do que por suas implicações: os aplicativos para computadores poderiam ser metodicamente projetados para explorar as regras da psicologia, levando as pessoas a fazer coisas que talvez não fizessem por outras vias. No relato sobre o estudo, Fogg escreveu: “A decisão sobre quando e onde esse tipo de persuasão é benéfico e ético deve ser tema de pesquisas e debates futuros”.
Ele sugeriu a criação de um novo campo, situado na encruzilhada entre a ciência da computação e a psicologia, e propôs um nome: “cativologia” (“captology”, em inglês: uma mistura entre o termo “captive”, que significa cativo, prisioneiro, e a abreviação da expressão “computers as persuasive technologies”, ou computadores como tecnologias de persuasão). Com o tempo, a cativologia se transformou no design behaviorista, que hoje está inserido no sistema operacional invisível da vida cotidiana. E-mails que induzem o leitor a comprar imediatamente, aplicativos e games que prendem a atenção, formulários online que nos empurram para uma decisão em detrimento de outra: tudo isso foi desenhado para hackear o cérebro humano e capitalizar nossos instintos, manias e defeitos. As técnicas utilizadas para fazer isso costumam ser toscas e descaradamente manipuladoras, mas estão se tornando cada vez mais refinadas – e, consequentemente, menos perceptíveis.
A palestra de Fogg em Atlanta provocou reações exaltadas do público, que se dividiu em dois grupos: de um lado, “isso é perigoso, equivale a criar as ferramentas necessárias para construir uma bomba atômica”; de outro, “isso é espetacular, pode valer bilhões”.
Fogg já foi chamado de “fazedor de milionários”. Incontáveis empreendedores e engenheiros do Vale do Silício passaram por seu laboratório em Stanford, e alguns deles ficaram bem ricos.
O próprio Fogg, porém, não faturou milhões com as próprias ideias. Ele continuou em Stanford, e atualmente realiza poucos trabalhos comerciais. Está cada vez mais incomodado com um pensamento: pelo jeito, aquelas mesmas pessoas que lhe haviam dito que suas ideias eram perigosas estavam tramando alguma coisa.
Durante o workshop Fogg explicou os elementos de sua teoria sobre mudanças comportamentais. Para que alguém faça alguma coisa – comprar um carro, ler um e-mail ou “pagar” 20 flexões –, é preciso que três coisas aconteçam ao mesmo tempo. A pessoa tem de querer, tem de poder e precisa ser impulsionada a fazê-lo. O gatilho, o impulso para agir, só é eficaz quando a pessoa está extremamente motivada – ou quando a tarefa é extremamente simples. Se a tarefa for difícil, as pessoas podem ficar frustradas; se as pessoas não estiverem motivadas, podem acabar ficando irritadas.