quinta-feira, 22 de março de 2012

Com ajuda da ciência, criatividade para todos



Criatividade pode parecer mágica. Vemos pessoas como Steve Jobs e Bob Dylan e concluímos que eles devem ter poderes sobrenaturais negados a outros mortais, um presente que lhes permite imaginar o que nunca existiu antes. Eles são “tipos criativos”. Nós não.


A criatividade, no entanto, não é magia e essa história de tipos criativos não existe. Não é uma característica que herdamos em nossos genes ou uma bênção concedida por anjos. É uma habilidade. Qualquer um pode aprender a ser criativo e melhorar. Novos estudos lançam luz sobre os fatores que permitem às pessoas inventar produtos inovadores e resolver os problemas mais complexos. O resultado é uma série de lições surpreendentemente concretas sobre o que é a criatividade e como podemos estimulá-la em nós mesmos e no que fazemos.

A ciência da criatividade é relativamente nova. Até o Iluminismo, os atos da imaginação eram relegados a poderes sobrenaturais. Ser criativo significava receber o espírito de musas e dar voz aos deuses. Mesmo nos tempos modernos, os cientistas prestaram pouca atenção às fontes de criatividade.

Mas, nos últimos dez anos, isso começou a mudar. Pesquisas recentes sugerem que a suposição de que a criatividade é um tipo de conhecimento independente é falsa. Na verdade, usamos o termo “criatividade” como um rótulo que cobre uma variedade de ferramentas cognitivas, cada uma das quais se aplica a tipos específicos de problemas.

O desafio que temos à mão precisa de imaginação, de um surto repentino de consciência? Ou pode ser resolvido gradualmente, um passo de cada vez? A resposta muitas vezes determina se podemos relaxar e tomar uma cerveja ou se devemos nos encher de cafeína e ficar até tarde no escritório.

Os novos estudos também sugerem qual é a melhor maneira de enfrentar os problemas mais complicados. Tendemos a presumir que os peritos são gênios criativos em seus respectivos campos. Mas as grandes descobertas muitas vezes dependem da audácia inocente de pessoas de fora. Para fazer aflorar a criatividade, poucas coisas são tão importantes quanto o tempo dedicado à polinização cruzada com campos fora das nossas áreas de especialização.

Vamos começar a partir dos problemas mais difíceis, aqueles que a princípio parecem impossíveis. Esses são normalmente resolvidos (quando chegam a ser resolvidos) com um momento de inspiração e discernimento.

Considere o caso de Arthur Fry, um engenheiro do departamento de produtos de papel da 3M. Em 1974, Fry assistiu a uma apresentação de Sheldon Silver, um engenheiro que trabalhava com adesivos. Silver tinha desenvolvido uma cola muito fraca que mal servia para grudar dois pedaços de papel. Como todo mundo presente, Fry ouviu pacientemente a apresentação e não conseguia enxergar quais eram as aplicações práticas do composto. Afinal, qual a utilidade de uma cola que não gruda?

No entanto, numa fria manhã de domingo, Fry lembrou-se da cola em um contexto bastante estranho. O engenheiro estava cantando no coral da igreja e costumava colocar pequenos pedaços de papel em seu hinário para marcar as canções do dia. Mas os papeizinhos muitas vezes caíam, forçando-o a procurar freneticamente a página correta. Parecia um problema sem solução, um desses aborrecimentos comuns que somos obrigados a engolir.

Mas, durante um sermão particularmente tedioso, Fry teve uma epifania. Ele pensou que poderia aplicar a cola fraca em papel para criar um marcador reutilizável. Tendo uma cola tão fraca, o papel grudaria na página, mas não rasgaria ao ser removido. Essa revelação dentro da igreja acabou se tornando um dos produtos de escritório mais utilizados no mundo: o Post-It.

A invenção de Fry representa um momento clássico de clareza. Embora essas ocorrências parecem surgir do nada, os cientistas começaram a estudar como elas se desenvolvem. Eles estão fazendo isso dando a pessoas problemas lógicos e observando o que acontece no cérebro.

Um homem casou 20 vezes numa pequena cidade. Todas as mulheres ainda estão vivas e ninguém se divorciou. O homem não quebrou nenhuma lei. Quem é o homem?

Se você matou a charada, a solução provavelmente veio num relâmpago: o homem é um padre. Um estudo conduzido por Mark Beeman e John Kounios identificou de onde vem a centelha de inspiração que é observada quando os participantes mostravam-lhes a resposta para o enigma proposto. Nos segundos antes da descoberta, uma área do cérebro chamada giro temporal superior anterior (GTSa) apresenta um salto na atividade. Essa região, localizada na superfície do hemisfério direito, é especializada em conectar informações vagamente relacionadas, precisamente o que é necessário quando estamos resolvendo um problema difícil que exige criatividade.

Beeman e seus colegas descobriram que alguns fatores aumentam a probabilidade de um desses momentos de clareza. Por exemplo, mostrar um pequeno vídeo de humor melhora as chances de sucesso em uma média de 20%.

Álcool também funciona. Pesquisadores da Universidade de Illinois, em Chicago, compararam o desempenho nesse tipo de quebra-cabeça entre estudantes sóbrios e embriagados. Os estudantes bêbados resolveram quase 30% mais problemas que seus pares que não haviam bebido.

O que explica os benefícios criativos de relaxamento e do álcool? A resposta envolve a vantagem surpreendente de não prestar atenção. Embora vivamos em uma era que adora a concentração – estamos sempre nos forçando a nos concentrar e nos entupindo de cafeína -essa abordagem pode inibir a imaginação. Podemos estar concentrados, mas talvez estejamos focando na resposta errada.

O relaxamento ajuda. Só quando relaxamos no chuveiro ou nos distraímos assistindo a um vídeo de comédia é que voltamos o foco de nossa atenção para dentro, observando todas essas associações aleatórias no hemisfério direito do cérebro. Quando precisamos de um momento de clareza, essas associações tendem a revelar a resposta.

Os estudos também explicam por que tantas grandes descobertas foram feitas em lugares inusitados, como Arquimedes na banheira. Também valida a lógica da Google Inc. de colocar mesas de pingue-pongue no lobby da empresa e confirma as vantagens práticas de sonhar acordado. Como disse Einstein: “Criatividade é o resíduo de tempo perdido.”

Claro, nem todos os desafios exigem uma epifania e um banho quente não vai resolver todos os problemas. Às vezes, precisamos de continuar trabalhando e resistir à tentação de um cochilo induzido por cerveja.

Esse tipo de criatividade não é nada divertido e consiste basicamente de suor e fracassos. É a caneta vermelha na página, esboços defenestrados, protótipos rejeitados. Nietzsche se refere a ele como o “processo de rejeição”, observando que, enquanto os criadores gostam de se vangloriar de suas grandes epifanias, a realidade cotidiana é muito menos romântica. “Todos os grandes artistas e pensadores são trabalhadores esforçados”, escreveu.

Essa forma implacável da criatividade é muito bem exemplificada pelo lendário designer gráfico Milton Glaser, que cunhou o slogan “Arte é trabalho” e o pendurou na porta de seu escritório. O projeto mais famoso de Glaser é uma homenagem a essa ética de trabalho. Em 1975, ele aceitou um trabalho intimidante: criar uma nova campanha publicitária para reabilitar a imagem de Nova York, que na época estava caindo aos pedaços.

Glaser começou a experimentar com fontes, fazendo o layout do slogan turístico em uma variedade de tipografias simpáticas. Após algumas semanas de trabalho, ele chegou a um design encantador, com “I Love New York” em letra cursiva, contra um fundo branco liso. Sua proposta foi rapidamente aprovada. “Todo mundo gostou”, disse Glaser diz. “E se eu fosse uma pessoa normal, pararia de pensar sobre o projeto aí. Mas não consigo. Tinha algo nele que simplesmente parecia errado.”

Glaser continuou a ruminar sobre o projeto, dedicando horas a algo que supostamente tinha acabado. E então, depois de mais alguns dias de trabalho, ele estava num táxi, preso no trânsito do centro da cidade. “Muitas vezes, carrego pedaços de papel no bolso; peguei um deles e comecei a desenhar”, recorda. “E enquanto pensava e desenhava, entendi tudo. Vi todo o projeto na minha cabeça. Vi a fonte e o o grande coração vermelho bem no meio. Eu sabia que essa era a forma que tinha que ser. ”

O logotipo criado por Glaser dentro de um taxi parado no trânsito se tornou uma das obras da arte gráfica mais amplamente imitadas do mundo. E ele só o concebeu porque se recusou a parar de pensar no projeto.

Mas isso levanta uma questão óbvia: se diferentes tipos de problemas criativos se beneficiam de diferentes tipos de pensamento criativo, como podemos assegurar que estamos no caminho certo, na hora certa? Quando devemos fantasiar e fazer um passeio relaxante e quando devemos continuar desenhando e brincando com as possibilidades?

A boa notícia é que o cérebro humano tem uma incrível capacidade natural para avaliar qual tipo de criatividade a situação exige. Vários estudos mostram que, quando confrontada com problemas que não requerem inspirações súbitas, a mente é extremamente hábil em medir a probabilidade de que o problema seja resolvido, saber se você está “quente ou frio”, sem saber a solução.

Outra classe de problema criativo, no entanto, é quando há falta da matéria-prima ideal na cabeça. Se você está tentando ser mais criativo, uma das coisas mais importantes que você pode fazer é aumentar o volume e a diversidade de informações a que está exposto.

Steve Jobs disse que “a criatividade é simplesmente conectar coisas.” Apesar de acreditarmos que os criadores inventam algo do nada, Jobs disse que até mesmo os conceitos mais remotos geralmente surgem a partir de combinações de coisas que já existem. Sob sua liderança, a Apple não inventou o reprodutor de MP3 ou computadores do tipo tablet, mas apenas os melhorou, incorporando elementos de design.

Como melhorar quando as pessoas fazem essas conexões? Jobs argumenta que os melhores inventores buscam “experiências diversificadas”, reunindo muitos pontos que depois podem ser conectados.

A criatividade é uma faísca. Pode ser exasperante esfregar uma pedra na outra e não conseguir nada. E isso pode ser incrivelmente recompensador quando a chama se acende e uma nova ideia conquista o mundo.

Pela primeira vez na história da humanidade, tornou-se possível ver como criar mais dessas faíscas e garantir que a chama nunca se apague. Mas temos de ser honestos: o processo criativo é sempre difícil, não importa o quanto temos aprendido sobre ele.

Adaptado do livro “Imagine: How Creativity Works”, de Jonah Lehrer.

Fonte: Valor